O Encontro do Ressuscitado com os discípulos à margem do lago da Galiléia

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Neste terceiro Domingo depois da Páscoa, dia 10 de abril, meditamos na Liturgia da Palavra, o último capítulo do Evangelho de João (Jo 21,1-14). Neste espaço, apresentamos uma reflexão sobre o texto do evangelho dominical.

A origem do capítulo 21 do evangelho de João, ainda é discutida pelos especialistas. Situado após a conclusão (cf. Jo 20,30-31), o capítulo não é um apêndice, mas um complemento do Quarto Evangelho. O texto apresenta traços típicos da escola joanina, principalmente quando se observa o vocabulário e o estilo inconfundível desse evangelista. Por outro lado, nota-se uma variação de temas e expressões que dificilmente podem ser atribuídos ao autor do Quarto Evangelho.

Alguns especialistas afirmam, que o autor deseja mostrar as manifestações de Jesus na Galiléia e não apenas em Jerusalém, conforme narra Lucas. Deste modo, João se aproxima dos Evangelhos de Mateus e Marcos, que mostram o Ressuscitado também na Galiléia (cf. Mt 28,7.10.16ss; Mc 16,7).

Considerando o esquema dos evangelhos sinóticos, que após a ressurreição de Jesus, mostram a origem e os primeiros passos da Igreja, o Quarto Evangelho segue a mesma dinâmica, apresentando, no capítulo 21, os primeiros passos da comunidade nascente, de discípulos que nutrem a fé no Senhor ressuscitado. Esta tese encontra pouco respaldo entre os biblistas. Mas, seus defensores argumentam que, assim como Mateus termina o seu livro falando da missão universal dos discípulos (cf. Mt 28,20), Marcos encerra o seu evangelho, mostrando o serviço missionário dos seguidores de Jesus (cf. Mc 16,20) e Lucas – no 2º volume de sua obra – a missão da Igreja à luz do Espírito recebido em Pentecostes (cf. At 2). O autor do Quarto Evangelho acrescenta o capítulo 21, mostrando a comunidade nascente, cultivando a fé no Senhor.

A maioria dos especialistas acreditam que a redação deste capítulo foi posterior a do Quarto Evangelho. A pergunta é, se o capítulo 21 foi escrito pelo mesmo autor dos demais capítulos ou por outra pessoa, num segundo momento, depois que os capítulos de 1 a 20 já haviam sido escritos.

Alguns renomados biblistas, acreditam que se trata de um acréscimo feito por algum discípulo do evangelista. Este argumento ganha força quando se verifica que a conclusão original do evangelho, dá-se nos últimos versículos do capítulo anterior (cf. Jo 20,30-31). Percebe-se claramente, que tudo quanto segue a esta conclusão foi acrescentado posteriormente.

Um novo entusiasmo

O último capítulo do evangelho de João (Jo 21), pode ser dividido em três episódios:

O primeiro tema deste capítulo (Jo 21,1-14), é o encontro de Jesus ressuscitado com os pescadores e discípulos, após uma noite de fracassada pescaria. A comunidade encontra-se desanimada depois de tanto trabalho e poucos resultados: “naquela noite não pegaram nada” (Jo 21,30). Todavia, a presença de Jesus ressuscitado cria uma nova situação de entusiasmo e fé sinalizada pela pesca abundante. Os discípulos recuperam o entusiasmo, alimentam-se do pão e do peixe oferecidos por Jesus e redescobrem a ação do ressuscitado no meio deles.

O segundo episódio (cf. Jo 21,15-19) é o diálogo de Jesus com Pedro. E o terceiro (cf. Jo 21,20ss), o confronto entre Pedro e o discípulo amado.

Texto bíblico

1.Depois disso, Jesus manifestou-se novamente aos discípulos, às margens do mar de Tiberíades. Manifestou-se assim: 2. Estavam juntos Simão Pedro e Tomé, chamado de Dídimo, Natanael que era de Caná da Galiléia, os filhos de Zebedeu e dois outros de seus discípulos. 3. Simão Pedro lhe disse: ‘Vou pescar’. Eles lhe disseram: ‘Vamos nós também contigo’. Saíram e subiram ao barco e, naquela noite, nada apanharam. 4. Já amanhecera. Jesus estava de pé, na praia, mas os discípulos não sabiam que era Jesus. 5. Então Jesus lhes disse: ‘Jovens, acaso tendes algum peixe?’ Responderam-lhe: ‘Não!’ 6. Disse-lhes: ‘Lançai a rede à direita do barco e achareis’. Lançaram, então, e já não tinham força para puxá-la, por causa da quantidade de peixes. 7. Aquele discípulo que Jesus amava disse então e Pedro: ‘É o Senhor!’ Simão Pedro, ouvindo dizer ‘É o Senhor!’, vestiu sua roupa – porque estava nu – e atirou-se ao mar. 8. Os outros discípulos que não estavam longe da terra, mas cerca de duzentos côvados, vieram com o barco arrastando a rede com os peixes. 9. Quando saltaram em terra viram brasas acesas, tendo por cima peixe e pão. 10. Jesus lhes disse: ‘Trazei alguns dos peixes que apanhastes’. 11. Simão Pedro subiu então ao barco e arrastou para a terra a rede, cheia de cento e cinquenta e três peixes grandes; e apesar de serem tantos, a rede não se rompeu. 12. Disse-lhes Jesus: ‘Vinde comer!’ Nenhum dos discípulos ousava perguntar-lhe: ‘Quem és tu?’ Porque sabiam que era o Senhor. 13. Jesus aproxima-se, toma o pão e o distribui entre eles; e fez o mesmo com o peixe. 14. Foi esta a terceira vez que Jesus se manifestou aos discípulos, depois de ressuscitado dos mortos” (Jo 21,1-14).

As manifestações de Jesus

O texto apresenta-se como uma moldura, mostrando a manifestação de Jesus ressuscitado aos seus discípulos. Isso pode ser notado, quando se confrontam o primeiro e o último versículo do texto (cf. Jo 21,1-14).

Na realidade, tratam-se de duas cenas separadas, que foram unidas pelo último redator, formando posteriormente o texto. A primeira cena, fala da pesca milagrosa na presença do Senhor ressuscitado (cf. Jo 21,2-8) e a segunda cena, mostra o banquete de Jesus com seus discípulos (cf. Jo 21,9-13). As origens isoladas destas duas cenas explicam algumas incoerências do texto, como a refeição que já estava pronta, enquanto Jesus pede para preparar os peixes que acabavam de ser pescados. No versículo 5, Jesus pergunta: “Jovens, acaso tendes algum peixe”, e, no versículo 6, ele manda os jovens pescarem: “Lançai a rede”. No versículo 9, a refeição já foi preparada por Jesus na ausência dos discípulos, que ainda não tinham pescado os peixes. No versículo 10, Jesus pede aos discípulos que tragam os peixes e, no versículo 12, os convida: “Vinde comer”. O texto termina dizendo: “esta foi a terceira vez que Jesus se manifestou aos seus discípulos, desde que ressurgira dos mortos” (Jo 21,14). A primeira manifestação de Jesus ressuscitado, foi na tarde do primeiro dia da semana, no cenáculo, onde se encontravam os discípulos (Jo 20,19-23). A segunda manifestação de Jesus ocorreu oito dias depois, quando o incrédulo Tomé confessou: “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28). Nesta “terceira vez”, da qual fala o texto, o autor faz referência à morte de Jesus – “Ressurgira dos mortos” – e enfatiza a fé dos discípulos, que reconhecem o “Senhor” ressuscitado.

Terminada a descrição da pesca milagrosa e do banquete de Jesus com os discípulos, o autor mostra o diálogo de Jesus com Pedro. O mestre questiona o amor de Pedro por ele e o confirma na missão apostólica (cf. Jo 21,15ss). Logo, segue a cena conclusiva do evangelho sobre o futuro de Pedro e do discípulo amado. Observa-se, ainda, a última palavra que Jesus, no Quarto Evangelho, dirige a Pedro: “Segue-me” (Jo 21,22). Esta expressão final, alcança todas as pessoas e não apenas o Apóstolo.

Orando a Palavra

A escuta humilde e serena da Palavra de Deus é o alimento cotidiano de toda pessoa de fé. Ela é como o pão que sacia a fome, luz que ilumina a estrada, aquece o coração e fortalece a espiritualidade pessoal e comunitária.

O texto começa com: “Depois disso” (Jo 21,1), expressão comum no Quarto Evangelho. Esta expressão ocorre em várias passagens do evangelho. Entre elas, pode-se destacar a cena da multiplicação dos pães, que abre o capítulo eucarístico do evangelho de João: “Depois disso, passou Jesus para a outra margem do mar da Galiléia ou de Tiberíades” (Jo 6,1; cf. 3,22; 5,1; 7,1). Com a expressão, o autor liga esta aparição de Jesus com as manifestações anteriores. A relação vem reforçada no final do texto: “Esta foi a terceira vez que Jesus se manifestou…” (Jo 21,14). Observa-se, ainda, que a manifestação de Jesus no mar de Tiberíades rompe com a tradição lucana, onde as aparições se dão apenas em Jerusalém. Tiberíades é uma cidade pagã, fundada por Herodes Antipas, em honra ao imperador Tibério, no ano de 18 d.C.. Deste modo, o autor aponta para a missão dos seguidores de Jesus em ambiente pagão.

Nas margens deste lago, são apresentadas várias passagens evangélicas, entre as quais: a chamada dos primeiros discípulos (cf. Jo 1,35-51), a multiplicação dos pães (cf. Jo 6,1-15), as aparições de Jesus e a pesca milagrosa (cf. Jo 21,1-14).

Nesta terra pagã, distante de Jerusalém, os seguidores de Jesus fazem uma forte experiência com o Senhor ressuscitado. O lago, ambiente de trabalho e lugar da vida destes pescadores, assinala a missão dos discípulos. Eles são convocados, depois de uma noite de fracasso, a lançarem novamente as redes, símbolo da missão evangelizadora vocacional assumida pela comunidade de fé: a Igreja.

Os jovens discípulos de Jesus

Encontram-se sete discípulos de Jesus nesta cena: Simão Pedro, Tomé (Dídimo), Natanael, os dois filhos de Zebedeu (Tiago e João) e outros dois anônimos. Os nomes de Tiago e João no Quarto Evangelho, aparecem apenas neste texto, sendo um indício que se trata de um outro autor e não o próprio evangelista. Todavia, é notável o destaque dado a Simão Pedro e ao discípulo amado. Porém, é evidente a centralidade de Pedro, apresentado no texto com o nome “Simão Pedro”. O nome “Simão” recorda a condição deste pescador antes de encontrar Jesus, que afirma: “Tu é Simão, o filho de João, chamar-te-ás Cefas” (Jo 1,42). A mudança de nome do discípulo e seu modo decisivo de agir – “vou pescar” (Jo 21,3) – assinala a nova identidade e a missão deste apóstolo, que deverá apascentar o rebanho do Senhor (cf. Jo 21,15ss). Observa-se, ainda, que a iniciativa de Pedro em partir para a pesca arrasta os demais: “nós vamos contigo” (Jo 21,3). Ele é o líder, aquele que influencia os discípulos para o serviço da pescaria, a missão.

O número sete geralmente indica a universalidade, como é o caso das sete comunidades mencionadas no livro do Apocalipse (cf. Ap 1,20). Alguns estudiosos acreditam que o autor queria representar toda a Igreja, a partir destes sete discípulos. A maioria dos estudiosos, porém, afirmam que neste episódio, o autor deseja apenas mostrar um grupo reduzido de discípulos, ou seja, nem todos estavam presentes. Mas, os que estavam juntos afirmam: “nós vamos contigo” (Jo 21,3), e sobem na mesma barca. Percebe-se, então, a disposição dos seguidores de Jesus em ajudarem Pedro na missão.

São jovens generosos e entusiastas, prontos para o serviço das redes no lago, isto é, para o trabalho missionário. Juntos, realizando o mesmo trabalho, eles formam uma comunidade de pescadores, de testemunhas e missionários do Evangelho. Mostram companheirismo e disposição para ajudar o amigo, trabalhar juntos e promover a amizade.

A maneira como Jesus se dirige aos discípulos é muito amigável e carinhosa: “Jovens, acaso tendes algum peixe” (Jo 21,5). Esta forma familiar é usada somente nesta passagem do Quarto Evangelho. Na literatura joanina ela aparece na primeira carta (1Jo 2,13.18; 3,7). Adotando esta expressão, Jesus aproxima-se dos discípulos e favorece um clima de acolhimento e diálogo, que permitirá o posterior reconhecimento do Senhor.

O evangelizador vocacional deve aprender com Jesus e se dirigir aos vocacionados com carinho e espontaneidade. A expressão “jovens” faz bem a qualquer ouvido, possibilita a acolhida e estimula a amizade dos interlocutores.

A pesca milagrosa

No Evangelho, a pesca geralmente indica a missão dos discípulos que são orientados para “jogarem as redes” (Jo 21,5). Algumas vezes a missão torna-se difícil. Depois de passarem toda a noite pescando sem obter nenhum resultado, os discípulos certamente já se preparavam para deixar o barco. Na ausência de Jesus, eles apesar da experiência que tinham, não conseguiram nada, mesmo depois de uma noite de trabalho. Observa-se que à “noite”, quando Jesus não está presente, a pesca fracassa. O próprio Jesus já havia ensinado: “Enquanto é dia, temos de realizar as obras daquele que me enviou; vem a noite, quando ninguém pode trabalhar” (Jo 9,4). O autor faz questão de afirmar que durante a noite, na ausência de Jesus, o trabalho da pesca foi em vão. Somente quando amanhece e o sol ilumina a face da terra, Jesus ressuscitado aparece e a pesca é abundante. Recorda-se, então a frase evangélica: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12).

Osdiscípulos descobrem no cotidiano da vida, que muitas vezes as coisas não dão certo. Deste modo, são levados a atingir a maturidade humana onde a experiência e o esforço pessoal nem sempre são suficientes para garantir o sucesso da pescaria.

Mesmo antes de reconhecer Jesus ressuscitado – “os discípulos não sabiam que era ele” (Jo 21,4) – eles atendem a palavra do Senhor: “Lançai a rede do lado direito do barco e achareis” (Jo 21,6). Há no coração dos jovens uma disposição em escutar e obedecer Jesus. Talvez porque já haviam percebido as próprias limitações diante do fracasso das tentativas anteriores. Jogando as redes do “lado direito”, os discípulos mostram a confiança e a abertura diante da Palavra do Ressuscitado. Jesus envia os discípulos para lançarem as redes e permanece à beira do lago. Sua missão é realizada mediante a ação dos discípulos, que, do barco, símbolo da Igreja, lançam as redes ao mar. Na presença do Senhor, o esforço não é inútil e o trabalho torna-se frutuoso.

A “terra”, de onde Jesus envia os discípulos para o serviço no mar, é o lugar da comunidade. Observa-se que o substantivo “terra” aparece três vezes no texto (cf. Jo 21,8.9.11). Recorda-se, então, “a terra prometida”, onde o povo de Deus, depois da experiência do deserto, chegou para começar uma nova vida. Neste sentido, compreende-se a expressão do evangelista: “não estavam longe da terra” (Jo 21,8).

Diante da pesca milagrosa, João, o discípulo amado, diz a seu amigo Pedro: “É o Senhor” (Jo 21,7). No Quarto Evangelho o discípulo amado é sempre o protagonista, conforme ilustra o episódio da visita ao túmulo vazio, onde ele correu mais rápido e chegou à frente de Pedro no sepulcro (cf. Jo 20,3-4.8).

Pedro e o discípulo amado

Segundo alguns especialistas, a cena da pesca milagrosa ilumina e soluciona uma questão entre a comunidade cristã de Roma e a de Éfeso. A contraposição entre o líder dos apóstolos e o discípulo amado, o qual representa todos os fiéis seguidores de Jesus, aparece claramente no texto. Se de um lado foi o discípulo João, o primeiro a reconhecer no desconhecido a figura de Jesus ressuscitado, por outro, foi o apóstolo Pedro quem teve a iniciativa de pescar: “Eu vou pescar” (Jo 21,3). Também foi o único a se atirar na água em sinal de respeito ao Senhor e coube a ele puxar a rede com a enorme quantidade de peixes. Pode-se afirmar, ainda, que se trata de dois aspectos da Igreja: o institucional, representado pela figura de Pedro, e o carismático, assinalado pela presença de João.

Nos evangelhos, a figura de Pedro sempre recebe um destaque especial. Ele é sinal de unidade da comunidade dos discípulos de Jesus. Porém, foi o discípulo amado, João, que testemunhou a vida que brotou de Jesus na cruz: “Aquele que viu dá testemunho e seu testemunho é verdadeiro; e ele sabe que diz a verdade, para que também vós creiais” (Jo 19.35).

Pedro, diante da afirmação do discípulo amado: “É o Senhor”, vestiu sua roupa e se atirou no mar. Não porque estava completamente nu, mas porque usava apenas uma roupa pequena, própria dos pescadores. O fato de vestir a roupa, mostra o respeito de Pedro pela pessoa de Jesus. Na última ceia, antes de lavar os pés dos discípulos, Jesus também “depõe o manto, toma uma toalha e cinge-se com ela” (Jo 13,4). Assim, vestir a “roupa” significa, também, preparar-se para o serviço, mergulhando-se na água que assinala a missão evangelizadora. Pedro pesca “nu” porque ainda não adotou a mesma atitude de Jesus, que usa a toalha para servir os discípulos na última ceia (cf. Jo 13,1-15). Por isso, apesar de trabalhar a noite toda, a pesca não produz nenhum fruto. Atirar-se na água, significa que Pedro, finalmente, compreendeu que é preciso vestir a “roupa” do serviço, conforme ensinou Jesus. Agora ele entende o que não havia compreendido antes, no momento do lava-pés. O próprio Jesus havia dito, quando lavou os pés dos discípulos: “O que faço, não compreendes agora, mas o compreenderás mais tarde” (Jo 13,7). Observa-se que, Pedro foi o único pescador que se atirou ao mar, separando-se dos demais discípulos. Deste modo, o evangelista assinala a mudança de Pedro, que depois de negar repetidas vezes Jesus (cf. Jo 18,17.25.27), necessita reconciliar-se com o Senhor. Alguns especialistas afirmam que este gesto do discípulo é sinal da sua consciência de pecador, conforme narra o Apocalipse: “Aconselho-te a comprar de mim ouro purificado no fogo para que enriqueças, vestes brancas para que te cubras e não apareça a vergonha da tua nudez […] Recobra, pois, o fervor e converte-te!” (Ap 3,18-19).

O gesto de se atirar ao mar indica também o batismo, onde a pessoa começa uma nova vida, sepultando o passado e nascendo de novo, como dizia Jesus a Nicodemos (cf. Jo 3,4-21). A rapidez, com a qual Pedro age, é típico de sua conduta. Pode-se comparar esta cena, com aquela, na qual Jesus caminha sobre o mar, narrada por Mateus. Ali, Pedro também se mostra uma pessoa decidida e cheia de iniciativas, apesar de fraquejar na fé, afundar nas águas e gritar: “Senhor, salva-me!” (Mt 14,29-31).

O banquete de Jesus

Após a cena da pesca milagrosa, vem a segunda cena, onde o autor mostra Jesus convidando os seus discípulos a comerem peixe e pão: “Vinde comer” (Jo 21,12). Esta cena recorda a narrativa dos discípulos de Emaús, quando o Ressuscitado parte o pão com os vocacionados (cf. Lc 24,28ss). Os versículos seguintes (cf. Jo 21,10.11), retomam o tema da cena anterior, isto é, a pesca milagrosa e apresenta a centralidade de Pedro, deixando em segundo plano os seus companheiros. Interessante observar a quantidade de peixes: “cento e cinquenta e três peixes grandes” (Jo 21,11). Este número assinala o testemunho ocular do autor e indica a futura e abundante pesca espiritual do discípulo: “Jesus, porém, disse a Simão: Não tenhas medo! Doravante serás pescador de homens” (Lc 5,10). Segundo os zoólogos antigos, nos mares haviam 153 espécies de peixes conhecidas. Esse número também é misterioso por ser o resultado das somas dos números de 1 a 17 (1 + 2 + 3 + 4 + … + 17 = 153), indicando uma perfeição (17 = 10 + 7). Assinala, deste modo, o sucesso da missão evangelizadora dos discípulos e seu alcance universal.

Jesus, o Verbo que se fez carne (cf. Jo 1,14), é o personagem principal desta cena. Ao longo do Quarto Evangelho, sua missão é revelar o Pai: “Não posso fazer nada por mim, mas só aquilo que vejo o Pai fazer” (Jo 5,19). Ou ainda: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9). Neste texto, a revelação é o próprio Jesus ressuscitado, reconhecido pelo discípulo que confessa: “É o Senhor” (Jo 21,7). Ele se auto revela. Esta revelação se estende e recebe uma conotação eucarística quando “Jesus aproxima-se, toma o pão e o distribui entre eles” (Jo 21,13).

Amizade e partilha

Percebe-se, no desenvolver dos acontecimentos, um clima de amizade entre Jesus e os discípulos. Estão todos na margem do lago, comendo pão e peixe assado nas brasas (cf. Jo 21,9). Pode-se dizer, que estão num momento de confraternização e partilha. Este ambiente de fé e amizade é fundamental na ação evangelizadora e no serviço vocacional.

Pode-se traçar um paralelo entre o discurso sobre o “Pão da Vida”, que aparece na primeira parte do Quarto Evangelho, e as palavras de Jesus durante este banquete com os discípulos à beira do lago de Tiberíades, local onde havia multiplicado os cinco pães e os dois peixes.

Discurso sobre o Pão da Vida Banquete com os discípulos

“Tomou, então, Jesus os pães e, depois de dar graças, distribuiu-os aos presentes, assim como os peixes, tanto quanto queriam” (Jo 6,11).

“Jesus aproxima-se, toma o pão e o distribui entre eles; e fez o mesmo com o peixe” (Jo 21,13).

 

Fica evidente o aceno eucarístico do banquete de Jesus ressuscitado com os discípulos, depois da pesca milagrosa. Também em Lucas, os discípulos de Emaús reconhecem o Senhor no momento da fração do pão. Percebe-se, nestes evangelistas (Lc e Jo), um aceno eucarístico nas últimas cenas de seus respectivos evangelhos.

Na beira do lago de Tiberíades, Jesus alimenta e sacia os discípulos, promovendo a comunhão entre todos. Ele mesmo “toma o pão e distribui entre eles; e fez o mesmo com o peixe” (Jo 21,13).

A celebração às margens do lago, lugar da missão, assinala o compromisso dos discípulos com Jesus e se torna uma ocasião fecunda para a experiência da partilha, da comunhão e intimidade com o Ressuscitado, que os confirma na missão.

O barco e a rede

O evangelista, atento aos detalhes, afirma que o barco estava cerca de duzentos côvados da praia, o que corresponde a quase 100 metros.

Apesar da quantidade de peixes, o autor observa que a rede não se “rompeu” (Jo 21,11). A não ruptura da rede pode ser considerada como um novo milagre. Ela assinala, também, a unidade da comunidade dos discípulos (Igreja), que, às vezes, vem simbolizada e reconhecida como a barca de Pedro.

Se a pesca milagrosa é uma alusão a missão evangelizadora dos discípulos, a não ruptura da rede indica a comunhão dos seguidores de Jesus, que, diante do trabalho realizado em vão durante a noite, testemunham agora o milagre da farta pesca. A rede, juntamente com a túnica de Jesus (que na cena do Calvário foi sorteada pelos soldados – Jo 19,23-24), assinalam a unidade da comunidade. O contraste entre o fracasso dos pescadores durante a noite e os 153 peixes pescados pela manhã, ensina que na presença do Ressuscitado tudo muda. A confiança dos discípulos na Palavra de Jesus fez a rede encher-se de peixes. Esse mesmo Mestre já havia dito anteriormente: “sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). No final, depois da pesca milagrosa, o autor observa que “nenhum dos discípulos ousava perguntar-lhe: Quem és tu?” (Jo 21,12). Todos já sabiam que era o Senhor, que estava presente e atuando no meio deles. As dúvidas e o medo desaparecem diante da presença do Ressuscitado, que age no meio dos discípulos. Eles recuperam o entusiasmo da fé no Senhor, presente nas margens do lago, símbolo da missão evangelizadora da Igreja.

Os amigos chamados por Jesus não são seus servos, mas testemunhas. Eles, que já se preparavam para voltar para casa conformados com as redes vazias, perceberam a presença do Ressuscitado e, atentos à sua Palavra, lançaram novamente as redes. E estas se enchem de peixes e não se rompem, porque Ele promove a comunhão da comunidade, garante a abundância de peixes, fruto do trabalho comum. Trás de volta o entusiasmo da fé, fundamental para o êxito da missão evangelizadora vocacional dos seguidores de Jesus.

O Senhor é o centro da comunidade de pescadores. O evangelista afirma que “Jesus aproxima-se” (Jo 21,13) para celebrar com os discípulos na beira do lago. Ele não se apresenta como Senhor, mas como amigo que oferece alimento a seus companheiros. Este alimento é o dom de si mesmo, oferecido após o trabalho junto ao mar. Os discípulos experimentam sua presença, sua amizade e seu amor. A verdadeira missão, a farta pesca, começa com a abertura à Palavra de Jesus, que manda lançar as redes. E termina com a celebração, sinal da comunhão dos discípulos com Jesus, nos dons do pão e do peixe.

Pe. Gilson Luiz Maia, RCI.

Comentários

  1. Antonio Marcos de Mathes

    Boa tarde Pe Gilson, conversando sobre religião com um determinado professor, este me disse que tem uma passagem de Jesus com Pedro no qual ele fala sobre dívidas de impostos de Pedro. Então Jesus ordena a Pedro que pegue seu anzol e vá pescas um peixe farto e que apos abrir sua barriga iria encontrar moedas e saldar seu impostos. Eu procurei e não achei. Se puder me responder pois fiquei bem curioso.

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