História de um pescador

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Pedro era pescador acostumado com as barcas e as redes no lago da Galiléia. A pesca era sua profissão e foi aí na beira do lago, pupila azul da Palestina, que conheceu Jesus, que o chamou para o discipulado e a missão.

Desde o primeiro encontro na beira do lago, Pedro sentiu-se atraído pela pessoa de Jesus. Ficou fascinado por aquele que se apresentava como o messias libertador e escutava com certa surpresa as palavras do Mestre que pregava o amor aos inimigos, chamava a Deus de Pai, comia com os pecadores e assinalava a chegada do reino.

O pescador da Galiléia, discípulo de Jesus, também teve seus momentos de dúvidas e perguntou: “És tu aquele que há de vir ou devemos esperar outro?” Parece que o jeito de Jesus não correspondia plenamente à expectativa messiânica que Pedro trazia no coração. Ele, como a grande maioria do povo, esperava um messias que assumisse o poder e colocasse todos os inimigos debaixo do domínio de Israel. Mas o Mestre falava e ensinava algumas coisas que não coincidiam com esta visão. Ainda sim, Pedro continuou discípulo, talvez imaginando que tudo aquilo era apenas uma estratégia de Jesus que aguardava a hora certa de tomar o poder e implantar o novo reino.

Em determinado momento da caminhada, Jesus perguntou aos discípulos: “Quem dizem as pessoas que eu sou?”. Muitos arriscaram uma resposta dizendo que Jesus era um profeta ou coisa semelhante. Pedro respondeu com firmeza: “Tu és o Cristo”. Para ele, estava claro que Jesus era o messias prometido por Deus, anunciado pelos profetas e esperado por todo Israel.

Pouco depois, o Mestre começou a falar de sua viagem a Jerusalém onde enfrentaria a cruz e a morte. Aí Pedro não suportou e reagiu dizendo que Jesus não deveria sofrer e acabou sendo chamado de “Satanás” pelo próprio Mestre. Era difícil entender a mensagem de Jesus, sua proposta de um reino onde a justiça se confunde com o perdão e o amor alcança até os inimigos.

Certamente, no silêncio do seu coração, Pedro perguntava: será que Jesus é mesmo o messias enviado por Deus? Quando ele vai conquistar e impor o seu reinado? Quantas perguntas sem respostas e muitos ensinamentos complicados para o pescador da Galiléia decifrar desde a fragilidade de sua fé.

No monte Tabor, depois de tanto caminho percorrido entre aldeias e povoados, Pedro vê o Mestre transfigurado. Vislumbrado com aquela visão, ele se propõe a fazer três tendas e permanecer no alto da montanha. Parecia que havia chegado a hora: Jesus glorioso, transfigurado e brilhante, certamente estava decidido a instaurar o seu reino e tomar o poder. Mas de novo, o Mestre chama Pedro e os demais a descer do Tabor e seguir rumo à cidade santa, Jerusalém: lugar da cruz, morte e ressurreição.

Sem entender muito, Pedro subiu a Jerusalém com Jesus e os outros discípulos. Ao longo da caminhada, puderam testemunhar muitas situações onde o Mestre comunicava gradualmente os valores do reino como: servir os pequenos, perdoar sempre, tornar-se criança ou perder a vida como o grão de trigo para fazer frutificá-la.

Jesus entrou triunfalmente em Jerusalém, montado no lombo de um jegue e Pedro acompanhava com os discípulos. Ali celebraram a páscoa dos judeus e o pescador teve dificuldade em aceitar que o Mestre lhe lavasse os pés. Era a última lição de serviço e amor à causa do reino. Pedro ficava tentando entender aquele gesto humilde que antecedeu a partilha do pão e do vinho. No seu ouvido ainda ecoavam as palavras solenes de Jesus: “Recebei este cálice e fazei passar entre vós /…/ Isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em memória de mim”.

Entusiasmado e eufórico, talvez um pouco emocionado, o pescador da Galiléia promete dar a vida por Jesus. Mas este observou: “Pedro, eu te digo que hoje, antes que o galo cante, três vezes, negarás que me conheces”. Mais uma vez o Mestre estava certo: O galo ainda não havia cantado e Judas já havia recebido suas trinta moedas, Pedro acabava de negá-lo e todos fugiram. Ao pé da cruz, estava apenas sua mãe, algumas mulheres e o discípulo amado. Cadê a coragem? Onde estava a fé destemida que abandonou o barco e as redes para seguir o Profeta de Nazaré? E a promessa de seguí-lo até as ultimas consequências? Onde estava Pedro, que testemunhou milagres, experimentou o Tabor e escutou tantos ensinamentos e parábolas? Pedro assistia tudo de longe com medo, com dúvidas e espanto. Talvez pensasse: me equivoquei de Mestre? Deus fracassou? Fui bobo e acreditei em um messias mais pobre e mais frágil do que eu? São perguntas que brotavam no coração do pescador enquanto enxugava as lágrimas de sua fraqueza.

Voltemos à Galiléia. Lá estava Pedro de novo no meio das barcas com suas redes e amigos, tentando esquecer a tragédia do calvário e o sonho do reino. Nada podia ser feito. O corpo do Senhor há três dias jazia no sepulcro, as mulheres choravam e a esperança, ia aos pouco, esvaziando-se no coração triste de um discípulo que perdeu o Mestre. De repente, numa noite fria de poucos peixes, aparece Cristo ressuscitado e Pedro se assusta. Supersticioso, chega a pensar que é um fantasma. Mas outro discípulo lhe diz: “é o Senhor”.

Nesta altura da caminhada, Pedro começou a entender a vida e as palavras do Mestre. Tudo ganhava sentido e nem precisa de novas explicações. O calvário, a cruz, cada milagre, gestos ou palavras foram clareando à luz do Espírito do Ressuscitado e seu coração foi se transformando. A covardia cedeu lugar à coragem e o pescador foi para o meio da praça de Jerusalém gritar a todos que Cristo ressuscitou.

Pedro nunca deixou de ser pescador. De agora em diante, seguirá navegando com a barca da comunidade dos discípulos de Jesus, até ancorar em Roma, capital do grande e poderoso império. Em Roma, na colina de nome Vaticano, ele abraça o martírio, gesto supremo de uma fé que já havia confessado a Jesus: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que te amo”. E Pedro, das barcas e das redes, dos caminhos tortuosos ou do alto Tabor, do cenáculo luminoso ou das profundezas de sua triste amargura ao cantar do galo, nos ensinou o que significa ser discípulo e apóstolo de Jesus Cristo, aquele mesmo, que alguns anos antes lhe colocou o apelido de Cefas, pedra = Pedro.

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