A realidade da morte nos alcança ao atingir familiares, amigos e tantas outras pessoas. A morte nos surpreende, golpeia e causa grandes impactos. Realmente estamos diante de algo inevitável que a tradição religiosa relacionou com o pecado: por causa do pecado a morte entrou no mundo.
A morte é constitutiva da condição humana. Mas como já observou alguém, “a nossa própria morte não diz respeito a nós mesmos, mas sim aos outros, pois nós estaremos ausentes.” A morte mais cedo ou mais tarde nos alcançará. E isso nos leva a realizar tudo com certa urgência, pois o tempo é limitado e o horizonte finito.
Muitos já tentaram definir a morte que chegou a ser compreendida como a separação da alma e do corpo. Tal ideia não encontra respaldo na Bíblia que vê a morte como “o caminho de todos” (1Rs 2,2). Nela a pessoa percebe a fragilidade da condição humana e descobre a vida como um sopro, uma sombra, um nada (cf. Sl 39,5-7). O povo de Israel não possuía uma crença bem definida na vida após a morte. Para eles a pessoa morta simplesmente deixava de existir (cf. Sl 39,14) e mais tarde vão imaginar o xeol, o poço da morte (cf. Sl 115,25). Ali ficavam os mortos sem esperança e sem comunicação com Deus no sono definitivo (cf. Is 38,18).
Para dar sentido à morte foi elaborada uma reflexão sobre o pecado. A morte é consequência do pecado; é castigo de Deus que criou o homem para a incorruptibilidade. O Gênesis fala de uma situação de paraíso antes do pecado de Adão (cf. Gn 2,16-17). Mas o problema religioso aprofunda diante da morte da pessoa justa ao lado da sobrevivência dos ímpios (cf. Jó 9,21-24). Lenta e progressivamente aparece a ideia: Deus há de ressuscitar os mortos para fazer justiça (cf. 2Mc 7,9). Esta nova esperança estimula a luta pelo bem e preocupa os malvados.
Em Jesus Cristo vemos um grande conflito. De um lado sua percepção da aproximação de uma morte violenta e o desejo de um batismo heroico de sangue como verdadeiro servo de Deus (cf. Mc 8,31; Lc 12,50). De outro lado, seu amor pela vida e pelos seus discípulos (cf. Mc 14,3-9). No Getsêmani encontramos Jesus sofrendo e na cruz ouvimos seu grito de abandono (cf. Mt 26,36ss; Lc 22,39).
Para os apóstolos a morte de Jesus foi uma tragédia que levou à perda da esperança e à crise. Pedro negou, outros fugiram e o grupo fechou-se por medo dos judeus (cf. Mc 14,66ss; Lc 24,19ss). A morte de Jesus reduziu o grupo dos seus seguidores ao pó. Veio a experiência da ressurreição. O encontro com o Cristo ressuscitado na fé sustentará a nova realidade. Os medrosos apóstolos transformaram-se em corajosos missionários do Evangelho. As aparições do Ressuscitado, ricas em detalhes e narradas em diferentes circunstâncias, indicam a chegada de um novo tempo.
A partir dai os apóstolos compreenderam o sentido da vida e da morte de Jesus e também de cada pessoa. A morte de Cristo não é outra coisa que o resgate da tragédia humana. O Senhor compartilhou nossa condição frágil para elevá-la a Deus (cf. Hb 4,15). O grão de trigo morreu e fez brotar uma abundante colheita (cf. Jo 12,23-26). Em Cristo vemos um homem que venceu a morte, e dela ressurgiu como Primogênito inaugurando o novo tempo (cf. Cl 1,18). Se Adão introduziu a morte com a sua fraqueza, em Cristo temos o protótipo do homem novo, a vitória do amor e da vida, como anuncia Paulo à comunidade cristã (cf. 1Cor 15,16).
Então é Páscoa; é saída da casa da escravidão; é retirada do Egito para uma vida nova na terra prometida. É passagem do pecado para a graça, do absurdo do Calvário para a vitória da vida. A morte morreu na morte e ressurreição de Jesus Cristo. A Páscoa cristã é isso: a morte da morte. Logo, nos resta o futuro. Este abre-se como horizonte que encanta e abraça os corações na órbita da fé. Feliz Páscoa. Aleluia. Pe. Gilson.