01. Os dois congressos vocacionais precedentes também buscaram um texto evangélico para iluminar e enriquecer a reflexão. Às vésperas do Jubileu, que celebrou a virada do milênio, refletiu-se sobre a vocação de Bartimeu, adotando como lema do I Congresso a frase do evangelho de Marcos: “Coragem, Levanta-te, Ele te chama” (Mc 10,49). O II Congresso Vocacional escolheu a parábola dos trabalhadores enviados à vinha, do evangelho de Mateus, para meditar a temática das vocações e ministérios a partir do lema: “Ide também vós para a minha vinha!” (Mt 20,4). Percebemos nestes congressos, mais do que uma clara base bíblica, o desejo de avançar na reflexão em busca de uma compreensão ampla e aberta da temática vocacional e ministerial na Igreja, comunidade de chamados e enviados.
02. Na Bíblia toda vocação é para a missão e esta pressupõe um chamado: a vocação. Do contrário, a vocação seria algo estéril, fechada em si mesma, sem comunhão e consequências em prol do Reino e de sua justiça. Também não podemos reduzir a missão a uma tarefa posterior ao chamado ou a uma simples dimensão da vocação. A missão não é um acréscimo ou extensão da vocação, mas um componente essencial, quer seja ela leiga, religiosa ou sacerdotal. A missão faz parte do DNA de toda e qualquer vocação.
03. A vocação tem origem divina: Deus é quem toma a iniciativa e nos chama desde a sua gratuidade. O chamado é graça e o envio também. Tanto a vocação quanto a missão nunca visam o bem pessoal do vocacionado, mas de todo o povo de Deus. A verdadeira vocação e missão não são graças apenas para as pessoas escolhidas, mas para muitos, conforme dizia Jesus referindo-se a sua própria vocação e missão: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate por muitos”.[1]
Vocação e missão: dois lados da mesma moeda
04. Um autêntico serviço de animação vocacional é antes de tudo uma ação evangelizadora e genuinamente missionária. Nos evangelhos, aquele que chama é o mesmo que envia. Tal realidade confirma que vocação e missão são partes de um binômio inseparável e complementar. Ou, como diz a expressão popular: são dois lados de uma mesma moeda. Lados distintos, cada um com suas características próprias, mas partes de uma realidade inseparável, onde uma pressupõe a outra.[2]
05. Na prática, a distinção entre a vocação e a missão é mais de caráter pedagógico que real. Isto significa que precisamos ficar atentos para evitar certas expressões, como aquelas que escutamos ao falar da “dimensão missionária da vocação”. Pois, a missão não é uma simples “dimensão”, mas elemento constitutivo da identidade de toda vocação e parte integrante do serviço de animação vocacional.[3]
A identidade missionária da Igreja
06. A comunidade dos discípulos de Jesus é essencialmente missionária. A missão faz parte da própria natureza e identidade da Igreja.[4] É impossível pensar numa Igreja não missionária ou indiferente à missão. A comunidade dos seguidores de Jesus existe para a missão e dela procede. Por isso, podemos afirmar com segurança que todas as vocações e ministérios também são de natureza missionária e se fundamentam na missão de Jesus Cristo e do Espírito Santo.
07. De acordo a uma antiga tradição, o termo “Igreja” encontra sua raiz no livro do Deuteronômio para indicar a comunidade de Javé.[5] Segundo o evangelho de Mateus, a Igreja é a comunidade dos chamados e enviados para dar testemunho do Reino e da sua justiça. Mateus é o único evangelista a adotar o termo “Igreja” ao se referir à comunidade dos seguidores de Jesus Cristo.[6] Por isto ele é conhecido entre os estudiosos como o “evangelho eclesiástico”, onde a comunidade dos discípulos missionários é chamada e enviada por Jesus ressuscitado: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.[7]
08. A Igreja é a comunidade dos chamados e enviados para dar testemunho e servir o Reino. Os próprios evangelhos que ela proclama são escritos missionários que apresentam a pessoa e o projeto de Jesus Cristo, o reino e a sua justiça. Se de uma parte a Igreja é enviada, de outra ela está sempre enviando os seus discípulos missionários para o serviço da evangelização.
O binômio vocação-missão
09. Ao tratar do tema da vocação dos discípulos missionários na bíblia, encontramos um esquema simples e invariável montado a partir de dois verbos: chamar – enviar.[8] Todo chamado é feito em vista de uma missão, o envio. No Antigo Testamanto vemos que Deus criou um povo missionário. Deus chama e envia o povo de Israel para ser o construtor de seu reino. Os grandes vocacionados e vocacionadas da bíblia não são apenas modelos de pessoas chamadas, mas também são exemplos de missionários e missionárias enviados a proclamar e a construir o reino. Correspondendo ao chamado divino e vivendo os valores do reino, cada membro do povo de Israel assume sua vocação e missão.
10. De maneira geral podemos afirmar que no Antigo Testamento Deus é o autor de todos os chamados, enquanto que no Novo Testamento esta função é reservada a Jesus. Porém, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, todos os vocacionados e vocacionadas são enviados a uma determinada missão. Não há sequer um único caso onde o tema da vocação aparece desvinculado do envio e da missão.
11. Dizer “sim” ao chamado vocacional é o mesmo que acolher a missão inerente a este chamado. A resposta generosa à proposta vocacional é também um “sim” ao envio para a missão, que em última instância é uma convocação a colaborar na realização do projeto de Deus. O imperativo missionário não é uma exclusividade do evangelho de Mateus, mas aparece em todos os evangelhos sinóticos.[9] O chamado de Jesus aos vocacionados que pescavam no mar da Galiléia, a Levi na coletoria de imposto, ao cego Bartimeu na entrada de Jericó, ou a qualquer outra pessoa em qualquer outro lugar, não é apenas uma convite ao seguimento, mas é também uma convocação a assumir o projeto do reino e a participar da sua missão.[10] Independentemente da vocação específica de cada vocacionado, o chamado é sempre em vista da missão seja qual for a situação ou lugar do mundo.
12. No quarto evangelho Jesus se apresenta um grande número de vezes como o enviado do Pai.[11] Nos evangelhos sinóticos ele diz que “veio – vim – fui enviado” ou adota outras expressões equivalentes.[12] Nas cartas de Paulo Jesus também aparece como missionário do Pai, e na carta aos Hebreus ele é chamado de “apóstolo”.[13] No evangelho de Marcos vemos Jesus chamar os discípulos missionários para estarem com ele, inseri-los na sua obra e logo os enviar, confirmando assim a relação entre a vocação/chamado e a missão/envio. Marcos nos mostra de maneira clara que o encontro pessoal do vocacionado com Jesus é uma exigência que antecede o envio e o serviço missionário.[14]
13. A missão dos discípulos de Jesus, chamados a transformar a história pessoal e de toda a humanidade, está situada entre a manhã de Pentecostes e a volta gloriosa do Senhor.[15] Os discipulos missionários formam a comunidade dos seguidores de Jesus, comprometidos e preparados para a missão de anunciar e construir o reino e sua justiça.[16] Enquanto chamados e enviados por Jesus, os discípulos missionários o representam como verdadeiros embaixadores. O próprio Jesus os chamará de “pescadores de homens” quando os convida ao seguimento desde as margens do mar da Galiléia.[17]
A iluminação bíblica do III Congresso Vocacional
14. O próximo Congresso Vocacional escolheu a passagem bíblica onde encontramos o imperativo missionário de Jesus ressuscitado: “Os onze discípulos caminharam para a Galilèia, à montanha que Jesus lhes determinara. Ao vê-lo, prostraram-se diante dele. Alguns, porém, duvidaram. Jesus, aproximando-se deles, falou: Todo poder foi me dado no céu e sobre a terra. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!”.[18]
15. Esta passagem do evangelho de Mateus, que iluminará a reflexão do III Congresso Vocacional, aparece após a cena do túmulo vazio, das aparições às mulheres e da corrupção dos soldados que vigiavam o sepulcro de Jesus. Trata-se de uma cena com tonalidade eclesial-missionária em perfeita harmonia com a totalidade do “evangelho eclesiástico” de Mateus.[19]
16. Podemos dividir este texto de Mateus em quatro pequenas partes articuladas entre si: a primeira traz a indicação de voltar à Galiléia e se encontrar com o Ressuscitado (vv. 16-17). A segunda consiste na solene proclamação de Jesus que recebeu de Deus o poder universal (v. 18). A terceira parte é o imperativo missionário (v. 19). A última parte é a garantia da presença do Ressuscitado junto aos discípulos missionários (v.20).
Meditar e rezar a Palavra vocacional
17. Queremos meditar este texto com o qual Mateus conclui o seu evangellho em chave vocacional-missionária. A presente meditação é fruto de uma leitura pastoral com traços de espiritualidade enriquecidas pelas notas da exegese biblica. Desejamos e sugerimos que ela seja feita e ampliada nas comunidades e grupos que poderão preparar uma bonita celebração com cantos e símbolos vocacionais-missionários.
Voltar à Galiléia: um novo começo
18. A cena começa com os onze discípulos caminhando rumo à Galiléia onde tudo havia começado.[20] Foi na Galiléia que Jesus iniciou seu ministério e fez o primeiro anúncio do Reino.[21] A Galiléia foi o lugar do encontro vocacional entre Jesus e os seus discípulos. Regressar à Galiléia é retornar ao começo para iniciar uma nova caminhada vocacional e missionária com mais consistência e maturidade. Também é um convite a valorizar as próprias raízes, a repensar os projetos e as opções. É um novo chamado vocacional que nos permite recomeçar com uma nova fé e uma nova esperança.
19. Voltar à Galiléia “à montanha que Jesus lhes determinara” é uma clara referência às palavras ditas anteriormente pelo anjo: “eis que vos precede na Galiléia; é lá que o vereis”. Também nos recordam as palavras de Jesus às mulheres: “Ide anunciar a meus irmãos que se dirijam para a Galiléia; lá me verão”.[22] Trata-se de um jeito de mostrar aos discípulos que o Ressuscitado é o mesmo profeta de Nazaré que fazia animação vocacional às margens do mar da Galiléia.
20. O retorno à Galiléia reflete uma situação experimentada por muitas pessoas da comunidade de Mateus. Afinal, o que significa crer na ressurreição de Jesus? Qual é a relação entre o Galileu que convida pescadores a beira mar para o seguimento e o Senhor ressuscitado? O evangelista inisitirá com sua comunidade que a fé em Jesus Cristo ressuscitado não significa uma ruptura com a sua vida terrena e tampouco pode ser reduzida ao gesto de glorificar ou louvar o Ressuscitado.[23] Os discípulos missionários entenderam que o Ressuscitado é o mesmo que os chamou na beira do mar da Galiléia para servir ao Reino.[24]
21. Vale observar que nenhum dos onze discípulos missionários foi dispensado do exercício de retornar à Galiléia e verificar a própria opção. Todos têm a oportunidade de aprofundar, refazer o caminho e amadurecer um pouquinho mais. Também percebemos que não se trata apenas de regressar a um lugar geográfico onde os vocacionados haviam encontrado o Mestre. Mas de caminhar até a montanha que Jesus os indicara.[25]
22. A montanha é sempre uma experiência de subida e encontro com Deus. Ir à Galiléia e à montanha indicada por Jesus significa fazer uma nova experiência com Deus a qual nos permite crescer na espiritualidade de discípulos missionários e aprofundar nossa opção. Mateus deixa claro que não basta retornar para um recomeço. É preciso uma nova experiência de montanha, lugar de Deus onde também se tem a possibilidade de contemplar desde o alto o horizonte da própria caminhada vocacional e missionária.[26]
23. Este movimento em direção à Galiléia e a montanha não dispensa da parte dos discípulos missionários um esforço, um desejo de deslocar-se ou uma experiência de êxodo. Vale observar que os onze voltaram e ninguém se deixou vencer pela preguiça ou o desânimo. Retornar é uma atitude de fé corajosa que assume a dinâmica do recomeçar desde a montanha, lugar do encontro com Deus. Voltar é uma atitude de fé e adesão ao Ressuscitado que nos precede na Galiléia, região na qual Jesus começou sua atividade pelo reino.
Encontrar-se com Jesus Ressuscitado
24. A primeira missão que os discípulos receberam não foi a de realizar uma tarefa e apresentar os resultados, mas a de caminhar ao encontro do Ressuscitado em uma montanha da Galiléia.[27] A missão não se reduz a uma convocação para realizar determinadas atividades. Ela é acima de tudo uma experiência com o Ressuscitado a qual se torna o ponto de partida da atividade missionária. A missão não será outra coisa senão a comunicação desta experiência de encontro com Jesus Cristo vivo na Galiléia, lugar da vida e da missão.
25. O primeiro chamado dirigido aos discípulos é um convite a retornar, a voltar às origens, a encontrar-se de novo com Jesus. Somente depois desta experiência de um novo encontro com o Ressuscitado aparecerá o imperativo missionário.[28] Neste contexto somos chamados a superar aquela tendência de reduzir a missão ao “fazer coisas”, a preocupação com os resultados e as cifras esquecendo-nos do encontro pessoal com o autor de toda vocação e envio: Jesus Cristo.
26. Voltar para encontrar com o Ressuscitado é uma experiência pascal. É um chamado a fazer uma nova aliança, uma passagem do “velho” para o “novo”. Pressupõe a experiência do êxodo, da contradição do Calvário e a certeza da vida nova junto ao Cristo vivo. A vocação tem uma tonalidade pascal de passagem e libertação. Fora desta esfera pascal nenhuma vocação encontra sentido. Somos povo da aliança, seguidores do crucificado ressuscitado, que nos confirma na vocação e nos envia à missão evangelizadora e sempre vocacional.[29]
Prostrar-se diante daquele que nos envia
27. De volta a Galiléia na montanha indicada por Jesus, o evangelista mostra os discípulos missionários no gesto de “prostrar” o qual é uma atitude de adoração e fé diante do Ressuscitado semelhante aquele das mulheres que “abraçaram os pés” de Jesus.[30] Tudo isso nos ajuda a entender que a missão não dispensa uma forte experiência de fé simbolizada no gesto de adoração. Alguns, porém, observa o evangelista: “duvidaram”.
28. O tema da dúvida reflete a situação pela qual passa a comunidade de Mateus. A dúvida surge quando os discípulos missionários são chamados a dar testemunho do Ressuscitado e a responderem os desafios que surgem no interior da comunidade. Haviam certas situações de sofrimento e contradições que sufocavam a fé dos discípulos. Estes não estão isentos das tentações e das fragilidades humanas. Na vivência da própria vocação e no desenvolvimento da missão eles tiveram que superar situações dificeis, amadurecer na fé e a renovar sua opção e compromisso com o Reino. Em realidade, estes onze discípulos missionários representam toda a comunidade dos seguidores de Jesus chamados e enviados a colaborar na construção do reino a partir da superação das próprias limitações. O evangelista nos mostra os discípulos em atitude de fé – “prostraram-se” como também na fraqueza da dúvida. Todavia, sabemos pelo desenrolar da história que todos se tornaram verdadeiras testemunhas do Ressuscitado e missionários do Reino.
A autoridade dos discípulos missionários
29. Jesus transmite sua autoridade aos discípulos missionários. Tal autoridade já havia sido reconhecida no desenvolvimento de seu ministério quando ele ensinava as multidões, perdoava os pecados, propunha uma nova forma de culto ou quando se dirigia a Deus chamando-o de Pai. Agora, o Ressuscitado dá este mesmo poder para os discípulos missionários: “Jesus, aproximando-se deles, falou: Todo poder foi me dado no céu e sobre a terra. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei”.[31]
30. Os discípulos missionários recebem a autoridade para construir o reino e a sua justiça daquele que é o Senhor da história.[32] Trata-se do poder de ser servidores do reino e continuadores da obra de Jesus que tem autoridade divina e humana, isto é, “no céu” e “na terra”. O mandamento de Jesus é para que todos os discípulos missionários prossigam a obra do reino e a sua justiça com a autoridade que eles receberam daquele que os chamou e os enviou a “todas as nações”. O Ressuscitado dá aos onze discípulos missionários o poder de servir ao reino e nunca usá-lo em beneficio próprio. Eles representam toda a Igreja chamada a servir e a proclamar a vontade de Deus.
A missão não conhece fronteiras
31. A missão indicada por Jesus Cristo supera as fronteiras, não exclui nenhum povo e alcança “todas as nações”. Os discípulos missionários são enviados não apenas às “ovelhas perdidas de Israel”, mas ao mundo inteiro para fazerem discípulos do Reino e da sua justiça. Do mesmo modo que esta missão ultrapassa as fronteiras de Israel ela também supera os limites do tempo devendo se estender até “a consumação dos séculos”.[33] Estas expressões usadas pelo evangelista querem afirmar que a missão é um serviço permanente que extrapola os limites do espaço – “todas as nações” – e também do tempo – “até a consumação dos séculos”.
32. O principal objetivo da missão é de promover a adesão à pessoa de Jesus e não de realizar um marketing da fé ou divulgar uma doutrina. A finalidade da missão é de proclamar o reino e motivar todos a se comprometerem com a sua justiça. A missão dos discípulos missionários se realiza em nome de Jesus ressuscitado do qual receberam toda a autoridade e por amor ao Evangelho. Em última análise, a missão não é outra senão a de ser testemunha do Ressuscitado.
33. Segundo o evangelho de Mateus, o serviço dos discípulos missionários consiste em “fazer discípulos”. Mateus têm claro que os discípulos missionários devem sair, anunciar e dar testemunho do Reino. Aqueles que são “feitos discípulos” mediante a missão também, deverão, a sua vez, “fazer discípulos” para o Reino formando assim uma contínua linha missionária.
O protagonismo da missão
34. Os discípulos missionários não são os personagens principais da ação missionária da Igreja. Eles são apenas os mensageiros da Boa Notícia. Em toda a bíblia a importância da missão recai sempre sobre aquele que chama e envia e não sobre os enviados.[34] Aos discípulos missionários podemos aplicar o ensinamento de Jesus: “Somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer”.[35]
35. Quem conduz os discípulos missionários e toda a Igreja é o Espírito Santo. O mesmo Espírito que desperta aqueles que acolhem o anúncio dos enviados de Jesus Cristo. Não podemos reduzir a missão a um agir puramente humano e esquecer que o Espírito Santo é o seu autor principal. Trata-se do mesmo Espírito que atuou sobre Jesus, nos apóstolos e nas comunidades.[36]
Jesus está com os discípulos missionários
36. No final da cena Mateus deixa claro que Jesus ressuscitado é Deus morando no meio de nós para sempre. Os discípulos missionários caminham com a certeza de que aquele que os chamou estará sempre presente no meio deles. Jesus dá todas as garantias aos discípulos que jamais os abandonará. Ele é o “Emanuel – Deus conosco” – que acompanha seus vocacionados missionários até “a consumação dos séculos”.
37. Os discípulos missionários partem para a missão na presença do Ressuscitado que caminha com eles da mesma maneira que no passado Deus caminhava com o povo de Israel.[37] O evangelista insiste em mostrar Jesus ressuscitado junto aos seus discípulos como presença viva e não apenas como uma lembrança ou recordação de um grande personagem do passado. Mateus começou o seu evangelho narrando “a origem de Jesus Cristo” e afirmando que ele é o “Emanuel”. Agora, ele termina a sua obra reafirmando que Jesus está sempre presente com os discípulos missionários até “a consumação dos séculos”. Os discípulos missionários chamados a “estar com Jesus” partem para a missão acompanhados por aquele que o envia. Ou seja, o vocacionado estará sempre com Jesus, quer na hora do chamado como também no dia a dia da missão.
Batizar em nome da Trindade
38. Os vocacionados missionários são enviados a “fazer discípulos” a partir da imersão de “todas as nações” na Santíssima Trindade, ou seja, “batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.[38] Batizar é “mergulhar” as pessoas na dinâmica do Evangelho e integrá-las na comunidade dos discípulos missionários, a Igreja. O batismo e os demais sacramentos de iniciação cristã nos consagram e confirmam nossa identidade missionária. Ele nos introduz na Igreja e nos coloca na dinâmica do reino e da sua justiça. [39]
39. A Santíssima Trindade é o melhor modelo que temos de missão. Pois a vida divina no seio da Trindade é um doar-se plenamente ao outro. Com a Trindade aprendemos a sair do próprio círculo e a entregar-se por amor que se traduz em missão. O Pai envia o Filho, ambos nos enviam o Espírito Santo que nos faz Igreja de discípulos e missionários de Jesus Cristo. Todos somos chamados e enviados desde o seio da Trindade para o coração do mundo. A razão última do envio é sempre o serviço ao povo de Deus, a Igreja e a toda a humanidade chamada ao Reino.
40. A comunhão das vocações e ministérios nos recorda a comunhão trinitária. Todos os discípulos de Jesus, independentemente de sua vocação específica, participam da única vida divina na única missão da Igreja que consiste em seguir Jesus Cristo e anunciar o Reino e a sua justiça.[40] Ao enviar os discípulos com a missão de “fazer discípulos” mediante o batismo, Jesus manifesta seu desejo de ampliar a comunidade daqueles que acolhem sua mensagem e assumem o projeto do Reino.
Missão de todos e de cada um
41. Jesus não confiou a missão evangelizadora a Pedro ou a um dos apóstolos, mas aos onze que representam toda a Igreja chamada a edificar o Reino. Porém, são diferentes as maneiras de desenvolver a missão quando consideramos a variedade dos carismas e ministérios suscitados pelo Espírito Santo nas comunidades. Pelo Batismo todos são chamados e convocados à missão. Mas cada vocação específica – sacerdócio, vida consagrada, leigos e leigas – têm formas próprias de participar da missão evangelizadora da Igreja.
42. Os ministros ordenados (diáconos, padres e bispos) dedicam-se totalmente ao serviço evangelizador.[41] A pessoa vocacionada ao ministério ordenado é chamada a colocar-se integralmente a serviço da Igreja e de sua causa: a evangelização.[42] Os chamados e chamadas à vida consagrada sabem que sua vocação é essencialmente missionária uma vez que são testemunhas e anunciadores do Reino no meio das realidades do mundo. De igual maneira os fiéis leigos e leigas são convocados a serem “sal da terra e luz do mundo”.[43] Ou como afirma o documento de Puebla: “Os cristãos leigos são homens e mulheres da Igreja no coração do mundo, homens e mulheres do mundo no coração da Igreja”.[44]
43. Na atualidade a Igreja convoca todos os seguidores de Jesus Cristo a levar adiante a missão evangelizadora. Em Aparecida os bispos reconheceram a necessidade de uma “conversão pastoral” para aproximarmos mais das pessoas que hoje estão mais abertas ao diálogo, demonstram maior flexibilidade nas questões polêmicas e tem um grande anseio da justiça do Reino.[45] Tal realidade abre um novo horizonte para os discípulos missionários e se apresenta como uma desafiadora realidade ao serviço de animação vocacional que encontra em Maria seu melhor modelo.
44. Maria não é apenas modelo de vocacionada discípula missionária, mas também de animação vocacional evangelizadora. A Mãe de Jesus é modelo de um serviço de animação vocacional aberto ao Espírito Santo, na escuta da Palavra, na disponibilidade para servir ou mesmo nos momentos de sofrimento onde vemos Maria ao pé da cruz.[46] No cenáculo com a comunidade reunida, ela nos ensina a promover um serviço de animação vocacional em comunhão com toda a Igreja e por ela reconhecido.
[1] Mt 20,28.
[2] O papa Bento XVI cita a metáfora dos “dois lados da moeda” ao referir-se ao discipulado e a missão por ocasião do discurso inaugural da V Conferência. Cf. Documento de Aparecida, Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Paulus, São Paulo, 2007, p.274.
[3] Cf. BORILE, Eros – CABBIA, Luciano – MAGNO, Vito – RUBIO, Luis, Diccionario de Pastoral Vocacional, Ediciones Sigueme, Salamanca, 2005, pp. 706-707 (misión y vocación).
[4] O Concílio Vaticano II insitiu na natureza e na identidade missionária da Igreja. Cf. Decreto Ad Gentes, n.2. O documento afirma também que a Igreja tem como única tarefa a evangelização, porém o modo de exercê-la se diferencia segundo as situações concretas dos grupos humanos (cf. AG, n. 6).
[5] Cf. Dt 23,2ss = “assembleia de Iahweh”.
[6] Cf. Mt 16,18; 18,17.
[7] Mt 28,19.
[8] Cf. Diccionario de Pastoral Vocacional, p.707.
[9] Cf. Mc 16,15-18; Lc 24,44-48.
[10] Cf. Mc 1,16-20; 10,46-52; Mt 9,9.
[11] Cf. Jo 5,36.38; 6,29.57; 7,29; 10,36; 11,42; 17,3.8.18; 20,21.
[12] Cf. Mc 1,38; 2,17; 10,45; 12,2-8; Mt 5,17; 10,34; 11,27; Lc 4,17-21; 9,48; 10,16; 12,49; 19,10.
[13] Cf. Rm 8,3; 2Cor 8,9; Gl 4,4; Fl 2,7; Hb 3,1.
[14] Cf. Mc 3,13-14.
[15] Cf. At 2,1-13.
[16] Na bíblia o conceito de justiça difere daquele da sociedade moderna a qual considera todos iguais perante a lei e prescinde da distinção entre oprimidos e opressores, ricos e pobres. A bíblia, e de modo especial o evangelho de Mateus, opta pela defesa dos pobres que são explorados pelos ricos. Por isso, justo é quem defende o oprimido, ajuda os necessitados e se coloca junto aos pobres. Cf. COMBLIN, José, A profecia na Igreja, Paulus, São Paulo, 2007, PP. 33-34.
[17] Cf. Mt 4,19; Mc 1,17.
[18] Mt 28,16-20. Confira também os passos paralelos nos outros evangelhos onde o Ressuscitado indica aos discípulos o caminho da missão no mesmo dia da ressurreição (cf. Mc 16,9; Lc 24,35; Jo 20,19).
[19] Os dois congressos vocacionais precedentes também buscaram um texto evangélico para iluminar e enriquecer a reflexão. A véspera do Jubileu que celebrou a virada do milênio refletiu-se sobre a vocação de Bartimeu, adotando como lema do I Congresso a frase do evangelho de Marcos: “Coragem, Levanta-te, Ele te chama” (Mc 10,49). O II Congresso Vocacional escolheu a parábola dos trabalhadores enviados à vinha do evangelho de Mateus para meditar a temática das vocações e ministérios a partir do lema: “Ide também vós para a minha vinha!” (Mt 20,4). Percebemos nestes congressos mais que uma clara base bíblica, o desejo de avançar à reflexão no sentido de uma compreensão ampla e aberta da temática vocacional e ministerial da Igreja, comunidade de chamados e enviados.
[20] Estes onze são os doze apóstolos menos Judas, o traidor que de alguma maneira representa aqueles que rejeitaram o projeto de Jesus (cf. Mt 10,1-4; 26,47-56). Os onze simbolizam todo o povo de Deus e não apenas o grupo dos apóstolos. Aqui eles não são convidados pelo próprio nome que já havia sido pronunciado por Jesus no primeiro encontro vocacional.
[21] Cf. Mt 4,17.
[22] Mt 28,7; 28,10.
[23] Quando tratamos do encontro com Jesus Cristo ressuscitado, podemos nos questionar também sobre qual cristologia dá suporte ao serviço de animação vocacional que desenvolvemos nas comunidades.
[24] Cf. Mt 4,12-17.
[25] Marcos e Lucas terminam seus respectivos evangelhos com a ascensão de Jesus sem insistir em um retorno imediato à Galiléia onde tudo havia começado (Mc 1,16-20). João, na primeira conclusão do seu evangelho também não supõe uma volta apressada à Galiléia (cf. Jo 20). Já Mateus, semelhante à segunda conclusão do quarto evangelho onde o autor narra à aparição do Ressuscitado a alguns discípulos às margens do mar da Galiléia (Jo 21), apresenta Jesus ressuscitado sobre a montanha na Galiléia. De alguma maneira esta cena nos recorda as montanhas frequentadas pelos homens de Deus como: Moisés, Elias, etc. Recordamos também a montanha onde o próprio Jesus pronunciou o célebre sermão das bem-aventuranças (Mt 5-7).
[26] Os biblistas divergem na tentativa de identificar esta montanha. Alguns afirmam que Mateus faz referência aquela onde se deu as tentações de Jesus quando o demônio oferecia os reinos do mundo (Mt 4,8ss). Outros pensam que esta montanha é a mesma da transfiguração (Mt 17,1). A nós interessa mais o sentido teológico da montanha que aquele geográfico.
[27] O encontro com Jesus Cristo vivo é uma das principais insistências do documento da Conferência de Aparecida. Cf. Documento de Aparecida, nn. 11, 12, 13, 14, 21, 28, 29, 95, 99, 145, 147, 154, 167, 181, 226.
[28] Cf. Mt 28,19.
[29] Sobre o tema da vocação desde a perspectiva pascal, confira: MAIA, G. Luiz, A Páscoa é nossa vocação, in Revista Rogate 260, São Paulo, março de 2008, pp. 09-12.
[30] Cf. Mt 28,9.
[31] Mt 28,18-19.
[32] Nesta cena Mateus apresenta Jesus ressuscitado segundo a visão do profeta Daniel na qual o Filho do Homem é descrito em toda a sua glória e majestade (cf. Dn 7,14). No capítulo anterior Mateus já havia assinalado esta realidade (cf. Mt 27,63).
[33] O evangelista insiste na universalidade da salvação trazida por Jesus Cristo e da missão dos seus discípulos missionários. Já no início de sua obra Mateus mostrou Jesus sendo reconhecido e adorado pelos magos que não eram descentendes de Abraão (Mt 2,1-12). Nesta cena conclusiva do evangelho ele estende a missão a “todas as nações” (cf. Mt 24,14; 25,32). Estas passagens superam a concepção nacionalista que aparecem em algumas linhas do evangelho de Mateus restringindo a ação dos discípulos missionários às fronteiras de Israel (cf. Mt 10,6).
[34] Jesus é o único enviado de Deus a ter importância em si mesmo por ser o Filho. Todos os demais enviados são personagens secundários uma vez que a importância é reservada ao que os envia.
[35] Lc 17,10.
[36] Cf. Lc 4,17-21; Jo 14,16; At 2,1-13.
[37] Cf. Dt 4,7.
[38] A prática do batismo a partir da fórmula trinitária já era conhecida nas primeiras comunidades (cf. 1Cor 12,3-5; 2Cor 13,13). Esta mesma fórmula também aparece no antigo documento denominado “Instrução dos Doze Apóstolos” – Didaqué. Na Didaqué também encontramos algumas indicações sobre a manutenção dos discípulos missionários. Normalmente eles viviam da generosidade e da hospitalidade das comunidades. Alguns tinham alguma habilidade manual para determinados trabalhos. Isso os colocava em sintonia com as instruções de Jesus que orientava os seus seguidores a partirem revestidos de pobreza (cf, Mt 10,9-10). Cf. Didaqué XI, 3-6.
[39] Confira o decreto do Concílio Presbyterorum Ordinis, n. 2.
[40] Cf. Diccionario de Pastoral Vocacional, p. 694.
[41] Cf. Presbyterorum Ordinis, n. 3.
[42] O sacerdócio ministerial é essencialmente missionário. Porém, algumas vezes percebemos que o aspecto pastoral e administrativo obscurece a identidade genuinamente missionária do ministério ordenado. Sobre a identidade missionária do ministério sacerdotal, confira o excelente artigo de Gorski: GORSKI, J., La identidad radical del presbítero: ser misionero, in Boletin Oslam 48, enero a junio, Bogotá, 2006, pp. 57-71.
[43] Mt 5,13-16.
[44] Cf. Documento de Puebla, n.786.
[45] Cf. Documento de Aparecida, nn. 365, 366, 368, 370.
[46] Jo 19,25-27.
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