A Ressurreição de Jesus (Jo 20,1-9)

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O texto que as comunidades meditam no Domingo de Páscoa, descreve um novo itinerário na vida dos seguidores de Jesus (cf. Jo 20,1-9). Maria Madalena, Pedro e o discípulo amado experimentam na manhã do primeiro dia da semana, junto ao sepulcro vazio, uma profunda e nova realidade: a fé na ressurreição, a vitória da vida sobre a morte e a presença viva e transformadora de Jesus Cristo.

Os movimentos e as visões dos discípulos de Jesus

Podemos meditar este texto dividindo-o em três cenas consecutivas, ricas em detalhes e teologia. A divisão pode ser feita considerando o movimento e as visões de cada um dos personagens.

O texto de João dividido em três cenas:

I Cena: Maria Madalena constata que o túmulo está vazio (vv. 1-2)

1. No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro, de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra foi retirada do sepulcro. 2. Correu então e foi a Simão Pedro e ao outro discípulo, que Jesus amava, e lhes disse: Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram“.

II Cena: Os discípulos correm ao sepulcro (vv. 3-7)

3. Pedro saiu, então, com o outro discípulo e se dirigiram ao sepulcro. 4. Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. 5. Inclimando-se, viu os panos de linho por terra, mas não entrou. 6. Então chegou também Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro. Viu os panos de linho por terra 7. e o sudário que cobrira a cabeça de Jesus. O sudário não estava com os panos de linho no chão, mas enrolado em um lugar; à parte“.

III Cena: Incredulidade e fé dos discípulos (vv. 8-9)

8. Então entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: e viu e creu. 9. Pois ainda não tinham compreendido que, conforme a Escritura, ele devia ressuscitar dos mortos“.

No Quarto Evangelho, a ressurreição representa o ponto alto da manifestação da glória de Jesus e o sinal supremo que ilumina toda a existência do Verbo encarnado. João mostra desde o prólogo do evangelho o Filho unigênito, pleno de graça e verdade (cf. Jo 1,14-18). Mas é a partir da ressurreição que se tem a irradiação de uma luz, a qual ilumina todos os eventos da vida de Jesus que agora retorna ao Pai: “Pai, chegou a hora: glorifica teu Filho, para que teu Filho te glorifique” (Jo 17,1.5.25).

O evangelista, permanecendo fiel às antigas tradições narra a constatação do túmulo vazio e as aparições do Cristo ressuscitado de modo original, apoiando-se em sua típica genialidade dramática.

Maria Madalena encontra o sepulcro vazio

A constatação do túmulo vazio é narrada tanto pelos evangelhos sinóticos, quanto pelo autor do Quarto Evangelho (cf. Mt 28, Mc 16, Lc 24 e Jo 20). Nos sinóticos vemos Maria Madalena ir ao sepulcro acompanhada por outras mulheres. João mostra apenas Maria Madalena junto ao sepulcro. Mas o plural usado no versículo 2 – “não sabemos onde o colocaram” – insinua a presença de outras mulheres. O autor do Quarto Evangelho é original ao afirmar, que Pedro e o discípulo amado correram ao sepulcro diante do testemunho de Maria Madalena. Segundo Mateus e Lucas o testemunho das mulheres foi rejeitado pelos discípulos do Senhor (cf. Mt 28,8; Lc 24,9-11).

A notícia de que “no primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro” (v.1), movida por sentimentos comuns às pessoas que não querem se separarem dos amigos, mesmo depois da morte, assinala o forte amor humano de Maria Madalena, que chora amargamente junto ao sepulcro mostrando assim toda a sua dor pela morte de Jesus (cf. Jo 20,11ss).

Segundo os evangelhos sinóticos, Maria Madalena vai ao sepulcro com suas amigas levando aromas para ungir o corpo de Jesus. Para João, o embalsamento já havia sido feito por José de Arimatéia e Nicodemos (cf. Jo 19,39-42). A narrativa do Quarto Evangelho, que apresenta Maria Madalena fazendo uma visita piedosa ao túmulo de Jesus, parece mais aceitável do ponto de vista histórico, uma vez que a unção das mulheres, descrita pelos sinóticos, seria estranha ou mesmo sem lógica, após o sepultamento de um dia e meio. De qualquer maneira, percebe-se a preocupação do evangelista em explicar o sepultamento e a ressurreição de Jesus às primeiras comunidades chamadas a cultivar e a propagar a fé.

A afirmação de caráter temporal “ainda estava escuro” (v.1) é um dos traços típicos do Quarto Evangelho, que vê na ausência de Jesus um período de trevas (cf. Jo 1,5; 13,30). Para João, Cristo é a “Luz do mundo“, plenitude da vida contra as trevas da morte (cf. Jo 8,12). O Verbo é a “luz verdadeira que ilumina todo homem” (Jo 1,9) e em sua ausência tudo permanece “escuro” (Jo 20,1).

Depois de constatar que a pedra da frente do sepulcro havia sido retirada, Maria Madalena “correu a Simão Pedro e ao outro discípulo, que Jesus amava“, para comunicar o inesperado: “Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20,2). Nota-se aqui uma das características do evangelista João, que sempre apresenta um grande número de detalhes sobre o lugar e o tempo, o que raramente acontece nos textos sinóticos. Faz parte do estilo joanino descrever o lugar onde as cenas se desenvolvem e caracterizar os personagens, como é o caso de Maria Madalena que, na madrugada do primeiro dia da semana, quando ainda estava escuro, vai ao sepulcro, vê a pedra retirada e corre para contar aos discípulos (vv. 1-2).

Assim como o discípulo amado personifica a comunidade daqueles que acreditam em Jesus, Maria Madalena representa o grupo de mulheres discípulas que, com transparente ternura, amam o Senhor. Vale observar que o título “Senhor“, usado por Maria Madalena, já é por si uma profissão de fé em Cristo, Filho de Deus. O “Senhor” é o Cristo ressuscitado, amado do Pai que dá a sua vida e pode retomá-la quando quiser (cf. Jo 10,17). O Verbo encarnado é o Senhor, a Ressurreição e a Vida (cf. Jo 11,25). Maria Madalena não fala aos discípulos que o corpo de Jesus foi roubado, mas que “retiraram o Senhor do sepulcro” (Jo 20,2). Ela não comunica aos discípulos a ausência do corpo de Jesus, mas da pessoa do Senhor. A discípula, depois de contar, partilhar com Pedro e o discípulo amado sua angústia, devido ao desaparecimento de Jesus, sai totalmente de cena, voltando apenas no v. 11, onde aparece chorando junto ao sepulcro. Os novos protagonistas do texto agora são Pedro e o discípulo amado (vv.3-9).

A corrida da fé

O autor do Quarto Evangelho apresenta os dois discípulos correndo juntos até o sepulcro (vv. 3-4). Não é a primeira vez que João mostra esses dois discípulos juntos em uma mesma cena. No momento da traição, o evangelista mostra Pedro solicitando a mediação do discípulo amado, para descobrir quem é que iria entregar Jesus (cf. Jo 13,22-26). Também na cena da pesca milagrosa foi o discípulo amado que reconheceu Jesus (cf. Jo 21,4ss). Neste texto, o evangelista observa que o discípulo amado correu mais depressa e chegou antes de Pedro ao sepulcro (v. 4). Apresentando os dois discípulos correndo juntos, o evangelista mostra o amor deles por Jesus, mesmo depois da tragédia do Calvário. Porém, João observa que o discípulo amado correu mais rápido e chegou primeiro ao sepulcro, não só porque era jovem, mas porque ele representa e é modelo de todos os fiéis que amam o Senhor. O autor parece insinuar uma relação entre os verbos “correr” e “amar“. Todos os personagens desse texto correm, manifestando seu amor por Jesus: Maria Madalena corre para dar a notícia aos discípulos que, por sua vez, correm juntos até o sepulcro. Mas foi o discípulo amado, aquele que representa a comunidade seguidora de Jesus, que chegou primeiro ao sepulcro vazio  (vv. 2-4).

A liderança de Pedro

O autor do Quarto evangelho conta que o discípulo amado chegou primeiro ao sepulcro, viu os lençóis estendidos no chão, mas não entrou. Ele espera a chegada de Pedro. Assim, o evangelista recorda a liderança de Pedro e o respeito que ele merecia da comunidade que tem no discípulo amado seu representante. No capítulo seguinte do evangelho, o autor mostra Jesus conferindo a Pedro a missão de apascentar o rebanho depois de uma tríplice profissão de amor a Jesus (cf. Jo 21,15ss). Evidentemente, esta tríplice afirmação do amor corresponde as três negações do líder dos apóstolos (cf. Jo 18,15-27).

Neste texto, encontram-se três personagens com privilégios específicos: Maria Madalena que constata o sepulcro vazio e será também a primeira a ver o Cristo ressuscitado (cf. Jo 20,16); ao discípulo amado é dado o privilégio de chegar primeiro ao sepulcro vazio (v.4), enquanto a Pedro é reservada uma posição de relevo e primazia (vv. 6-7). Ele foi o primeiro a entrar no sepulcro vazio vendo “os panos de linho por terra, e o sudário que cobria a cabeça de Jesus enrolado em um lugar, à parte” (vv. 6-7). Esses detalhes do evangelista indicam claramente que o sepulcro não foi violado, uma vez que os ladrões não teriam a preocupação de colocar o sudário enrolado num lugar à parte.

O discípulo amado entra no sepulcro depois de Pedro (v.8). A presença dos dois discípulos no sepulcro vazio corresponde perfeitamente às exigências das leis judaicas, que só consideravam válido o testemunho confirmado por dois ou mais homens (cf. Dt 19,15).

As três visões

Observando o comportamento e a visão dos três discípulos, percebe-se o movimento ascendente, relacionando com o objetivo de cada visão.

– Maria Madalena foi ao sepulcro e viu apenas a pedra removida (v.1).

– O discípulo amado que correu mais rápido viu os panos no chão (v.5).

– Pedro, o líder dos apóstolos, viu os panos de linho no chão e o sudário que cobria a cabeça de Jesus enrolado em um lugar a parte (v. 6-7).

Todavia, o evangelista afirma que foi o discípulo amado, modelo dos seguidores de Jesus, que não apenas viu, mas chegou primeiro a fé: “acreditou” (v.8). Nessa descrição progressiva da visão de cada discípulo, nota-se que o evangelista vai aos poucos mostrando o processo de amadurecimento da fé na ressurreição do Senhor. Coube ao discípulo amado, aquele que “correu mais depressa“, chegar primeiro à conclusão de que Jesus ressuscitou (v.8). A visão de Pedro, mesmo sendo a mais completa – “viu os panos de linho por terra e o sudário que cobrira a cabeça de Jesus” – ainda é puramente externa e material. Pedro só chegará à maturidade da fé na ressurreição de Jesus quando, juntamente com os demais discípulos, fizer uma experiência com o Senhor. Maria Madalena, por sua vez, só chega à fé na ressurreição quando encontra o Ressuscitado e confessa: “Rabbuni, que quer dizer Mestre” (Jo 20,16).

O discípulo amado não viu nada mais que o sepulcro vazio. Mas isso foi suficiente para ele concluir que o Senhor estava vivo. O tema principal desse capítulo é a fé na ressurreição de Jesus. Os verbos “ver” e “crer” voltarão de modo mais explícito, quando o incrédulo Tomé pedir para ver Jesus ressuscitado e será atendido em sua exigência (cf. Jo 20,25ss).

A ressurreição de Jesus é o alicerce da fé cristã e a fonte de onde jorra a esperança segura da vitória da vida sobre a morte. É a partir da fé na ressurreição de Cristo que o coração de Maria Madalena abandona os sentimentos de angústia e choro, para dar lugar à alegria viva no encontro com os discípulos e com toda comunidade (cf. Jo 20,11-18). A ressurreição de Jesus não se apresenta como um simples retorno à vida de um homem que havia sido traído e morto na cruz (cf. Jo 19,30), mas uma transformação que muda radicalmente a vida dos discípulos, provocando uma mudança total nos corações.

O testemunho da discípula

O sepulcro vazio, mesmo sendo mencionado sete vezes neste texto, não é prova da ressurreição de Jesus. Do ponto de vista histórico, pode-se afirmar apenas que Maria Madalena foi ao sepulcro na madrugada do primeiro dia da semana e não encontrou o corpo do Senhor (v.1). Todavia, refuta-se a tese daqueles que vêem na narrativa do túmulo vazio, apenas uma lenda de caráter apologético. É contraditório acreditar que a tradição evangélica, ao apresentar uma cena tão central para a fé cristã, escolhesse uma mulher de passado duvidoso e vivendo numa sociedade que não dava nenhum crédito à voz feminina, como a testemunha principal do acontecimento mais importante do Novo Testamento (cf. 1Cor 15,14-17). Seria muito mais coerente e lógico se os evangelistas escolhessem um ou mais apóstolos, homens de confiança e respaldo, capazes de merecer a credibilidade dos judeus.

Os testemunhos permanecem

O túmulo vazio assinala a ressurreição de Jesus já intuída pelo discípulo amado que “viu e creu” (v. 8). Se ele não é prova da ressurreição, pode-se pelo menos dizer que ele indica a vitória de Jesus partícipe da glória do Pai (cf. Jo 20,16).

O evangelista deixa claro que o amor transparente e a fé de Maria Madalena, de Pedro e do discípulo amado, são modelos para todos os seguidores do Ressuscitado. João mostra à comunidade, que só a força do amor pode levar os discípulos à compreensão da Escritura, ao amadurecimento da fé no triunfo da vida e ressurreição do Senhor.

Pe. Gilson Luiz Maia, RCJ.

Comentários

  1. Carla Bolandini

    Gloria a Deus por ter nos dado esse espaçao, onde podemos ler suas reflexoes.Que abre os nossos olhos para o ressuscitado.Deus o abençoe

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