“A compreensão de Maria entre nós cristãos depende muito do diálogo. Quando falamos em diálogo, falamos em escuta, respeito e entendimento entre as pessoas. O que não quer dizer que ao dialogar todos precisam concordar com todos e com tudo. O diálogo supõe diferença. Só é possível dialogar com diferentes, em busca de comunhão. As religiões devem sempre buscar o diálogo para não se isolarem umas das outras ou o que é pior: levadas pelo desentendimento, colocarem-se umas contra as outras.
Nesse sentido, é necessário começar por buscar os pontos em comum. Debruçar-se sobre o que une, para daí construir um diálogo que favoreça a colaboração e o entendimento. Desta forma, propiciando que se trabalhe pela defesa da vida, justiça e paz, valores que sinalizam a presença do Reino de Deus.
O Papa Paulo VI em sua encíclica Ecclesiam Suam ao abordar o diálogo que a Igreja deve ter com o mundo assim se expressa: “Não é em vão que a Igreja se diz católica. Não é em vão que está encarregada de promover no mundo a unidade, o amor e a paz” (ES 53). No número 60 deste mesmo documento, coloca o diálogo inter-religioso como o segundo círculo do diálogo, anterior ao terceiro que seria o diálogo entre os cristãos. Com esta inspiração do papa, o Vaticano II vai ter a preocupação de impulsionar o diálogo entre os cristãos e entre as religiões. A paz no mundo vai depender muito da paz entre as religiões, mas também de um testemunho de concórdia entre os cristãos.
A abordagem de Maria no diálogo entre as várias denominações cristãs é necessária e essencial, ao contrário do que possa parecer. Nelas a figura de Maria tem uma presença forte e marcante em algumas como na Igreja Católica, a Ortodoxa, e uma presença mais marginal em outras, como no luteranismo e entre os evangélicos. Onde reside a fonte das divergências na visão de Maria? Não reside na leitura diferente do Novo Testamento, embora existam variantes, mas, sim, no fato de que as várias denominações, avaliam de modo diferente cada um dos elementos e textos do Novo Testamento referentes a Maria.
Apesar disso, cada vez se torna mais clara e aceitável, a partir de estudos e reflexões desapaixonadas, que o Novo Testamento apresenta uma evolução na compreensão da imagem e do papel de Maria. Tais linhas buscam a sua apresentação cada vez mais positiva como virgem-mãe e discípula por excelência, modelo de vida na fé. Existem grupos ecumênicos de estudo sobre Maria, como o Grupo de Dombes (cf. Maria no desígnio de Deus e na comunhão dos santos, Ed. Santuário, Aparecida, 2005) que oferecem contribuições valiosas para o diálogo entre os cristãos sobre Maria. Neste sentido muito se tem caminhado.
No livro citado acima, assim escrevem os componentes do Grupo de Dombes: “Nosso percurso histórico nos mostrou que a divisão entre nós aparece no momento em que Maria é isolada da fé do Cristo e da comunhão dos santos, e em que a devoção se concentra exageradamente nela. Assim, do lado católico, a “mariologia” foi indevidamente separada da cristologia e da eclesiologia. É por isso que a decisão do Vaticano II inserindo o texto sobre Maria na Constituição sobre a Igreja é um gesto de grande significação para nossa reconciliação ecumênica. A eclesiologia permite reintegrar Maria no povo de Deus. Do lado protestante, se reconhece que uma justa confissão do Cristo exige uma palavra sobre Maria, em nome mesmo da encarnação”(cf. p. 155).
De fato, Maria não é o centro da fé, o centro é Jesus Cristo, porém, Maria faz parte deste centro porque esteve e está intimamente ligada a Cristo de forma ímpar, não só como mãe, mas como a primeira entre os seus seguidores, a bem-aventurada porque acreditou (Lc 1,45). Os bispos da América Latina em Puebla deixaram escrito: “Sem Maria desencarna-se o Evangelho, desfigura-se e transforma-se em ideologia, em racionalismo espiritualista” (P. 301).
Enfim, ao falarmos de Maria no diálogo entre os cristãos, devemos considerar o valor da Palavra de Deus que é a alma de toda reflexão teológica. Ao mesmo tempo considerarmos que na Tradição cristã, Maria tem muitos títulos e um deles é Mãe da Humanidade, mãe dos homens. A partir da encarnação de Jesus Cristo e estando ligada a Ele, Maria ocupa um lugar especial na ordem da criação. Ela pode fazer muito pela Igreja da qual é membro, enfim pelos cristãos, pela humanidade toda. Como disse não é o centro, mas faz parte dele por vontade de Deus que olhou a humildade de sua serva e a exaltou.
Considerando Maria relacionada a Jesus Cristo e na comunhão dos Santos (Igreja) podemos progredir na compreensão de sua missão, dando a devida importância ao papel de Maria na história da salvação e da humanidade. Ela certamente poderá unir mais e melhor os cristãos, como no Cenáculo foi ponto de união entre os seguidores de Jesus no início da missão.”