A partir da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo se fortalece a convicção dos vocacionados e vocacionadas que, confirmados em sua vocação, são enviados à missão.
A Páscoa é nossa vocação, tanto no sentido de passagem ou êxodo rumo à terra prometida, quanto no significado de uma vida nova que brota no coração que celebra, na intensidade litúrgica, o mistério da morte e ressurreição do Senhor. É exatamente esta acentuada tonalidade pascal de nossa vocação e missão que desejamos meditar neste espaço.
Fora da esfera da Páscoa de Jesus Cristo nenhuma vocação encontra sentido e muito menos a nossa de consagrados e consagradas. Seríamos seguidores e seguidoras de um jovem crucificado, portador de nobres ideais, mas que jazia no túmulo frio onde repousava um corpo sem vida e abatido diante do triunfo da morte, expressão do egoísmo, da injustiça e de outras maldades.
A Páscoa é a festa da vida. A partir da Páscoa de Jesus Cristo temos a plena convicção de que somos vocacionados seguidores do crucificado ressuscitado, que nos confirma na vocação e nos envia à missão. Ambas, vocação e missão, são sinais de vida e estão à serviço dela.
A vocação como experiência da cruz
Desde o chamado de Deus e do sim que pronunciamos em nossa resposta vocacional percebemos a presença da cruz (Jo 15,20). Nosso sim, contrariando talvez as próprias expectativas, não nos isenta do sofrimento e de tantas contradições. A resposta generosa ao chamado de Deus que renovamos no cotidiano da vida bem que poderia ser a garantia de que a cruz estaria sempre longe dos vocacionados, e a certeza da ausência de qualquer contradição que manifestasse nossa fragilidade e incoerências. Mas nada disso acontece. Antes, a fragilidade nos acompanha ao longo do caminho vocacional que vamos trilhando no dia a dia da história.
Muitos pensam que os vocacionados, por causa da generosidade de sua resposta e da grandeza de sua opção vocacional, são poupados da cruz que se manifesta nas situações difíceis da aventura humana. Mas sabemos pela própria experiência que a realidade não é bem assim. Nossa vocação passa de alguma maneira e de diferentes formas pelo monte calvário, onde fora crucificado o Mestre que seguimos. Por mais radical que seja a nossa opção vocacional e por mais profunda que seja a entrega incondicional do vocacionado à causa do reino, ainda assim, ninguém esta isento da cruz. Mas isso não é motivo de desânimo nem justificativa para rever a opção ou mudar a direção do caminho.
Na realidade, os sofrimentos e as contradições que enfrentamos no desenvolver e na vivência de nossa vocação nos aproximam de Jesus crucificado e nos permitem aprofundar o sentido de nossa opção e suas conseqüências para a sociedade, para a Igreja e para o reino. De outra parte, devemos ter medo de uma vocação sem cruz, sem sofrimentos e dificuldades. Isso poderia ser sinal de comodismo, de indiferença aos problemas do mundo e claro sinal da ausência do profetismo que caracteriza a vocação dos seguidores de Jesus Cristo.
Uma vocação sem cruz certamente esta longe da radicalidade evangélica de amor incondicional aos irmãos, principalmente aos menos favorecidos, e da defesa da justiça. Deus nos livre de uma vocação tipo “mar de rosas”, sem dificuldades, doce, tranqüila e bastante cômoda e repleta de certezas. Antes, pedimos a Ele a força da fé, a sabedoria no discernimento constante e a humildade para enfrentar as cruzes com fidelidade evangélica e olhando sempre para o Crucificado, que nos ensina a levar a cruz com o coração amoroso e não com os ombros de um escravo. Pois levá-la com os ombros seria experimentar a escravidão, sentir o peso de um castigo que é desconhecido pelos vocacionados, que carregam o madeiro com a força que vem do coração, dispostos a seguir Jesus a qualquer preço e sem nenhuma condição ou pedido de recompensa.
A realidade pascal da vocação
Se a cruz de uma ou de outra maneira marca o caminho de cada vocacionado, que desde a própria fragilidade busca ser “luz do mundo e sal da terra” (Mt 5,13.14), ela também nos prova e nos permite dar testemunho de adesão amorosa e fiel ao evangelho de Jesus Cristo. Por isso, não temos nenhuma dúvida em afirmar que a vivência de cada vocação comporta uma experiência pascal. Nela vivemos situações de cruzes e dificuldades, mas também recebemos a graça de uma vida nova que nos permite sentir o gosto da vitória de Cristo Ressuscitado.
Cada dia nos é oferecida a oportunidade de dar testemunho de Jesus Cristo e de ratificar nossa opção vocacional. Sacerdotes, religiosos ou cristãos leigos, todos somos chamados a repetir a experiência dos discípulos de Emaús e a caminhar com o Ressuscitado que nos acompanha, mesmo quando o coração está ferido ou decepcionado e chega a pensar que já não há mais espaço para a esperança (Lc 24,13-35).
Nem a cruz, nem qualquer outra contradição e dificuldade, poderá nos afastar do amor de Cristo (Rm 8,35). Esta é a convicção do apóstolo dos gentios que também bate em nosso coração vocacionado e pascal. Caminhamos com plena certeza de que o Ressuscitado nos acompanha e nos abençoa na vivência vocacional e no desenvolvimento de nossa missão (Mt 28,19-20). Aquele que nos chamou para segui-lo, deixando as barcas e as redes para trás (Mc 1,16-20), é o mesmo que nos oferece garantias de que estará sempre conosco pelos caminhos da Galiléia (Mc 15,7), deste novo tempo marcado pelos desafios da ideologia neoliberal e da globalização.
Páscoa é vida nova para todos nós, qualquer que seja a vocação abraçada, à qual nos esforçamos para viver plenamente no interior de nossas comunidades. Nesta solenidade de cruz e ressurreição, todos são chamados a renovar a opção vocacional e a dar testemunho transparente de Jesus Cristo vivo dentro de nós e no meio do mundo. Podemos até sentir o peso da cruz e cansar ao longo da caminhada, mas não temos motivos para nos desanimar se nossa fé aponta para o Ressuscitado, que não nos abandona em meio às tribulações da história e nem nos deixa sozinhos na missão.
A vocação como Páscoa (êxodo – passagem)
Se a opção vocacional sempre exige uma ruptura, um êxodo ou uma passagem de uma para outra realidade, podemos então confirmar que a experiência vocacional tem algo pascal no sentido de busca da terra prometida, conforme experimentou o povo de Deus sob a liderança de Moisés (Ex 3). Tal experiência, de saída da situação de escravidão no Egito em direção à “terra do leite e mel”, acontece com cada vocacionado. Ao escutar e responder ao chamado vocacional, deixamos uma determinada situação e nos colocamos a caminho na esperança de realizar nossos sonhos e de concretizar a vocação recebida como dom. Na dinâmica vocacional de chamado-resposta há sempre uma experiência de êxodo, que nem sempre é fácil e para uns custa mais do que para outros. Assim deparamo-nos com outra realidade inerente a toda vocação: a coragem do êxodo.
O chamado vocacional exige esta capacidade de sair, deixar e partir, a exemplo do velho Abraão (Gn 12). Bem verdade, na vivência de nossa vocação, qualquer que seja ela, há sempre a necessidade de sair, mudar e partir. Às vezes, trata-se de uma experiência histórica no sentido de deixar um lugar, uma casa e uma comunidade para ir rumo a novas e desafiadoras realidades. Outras vezes, devemos fazer um êxodo espiritual, deixar antigas maneiras de viver nossa opção e buscar um jeito novo, que traz oxigênio para nosso espírito e coração. Se nos acomodamos e perdemos a capacidade de fazer os necessários êxodos vocacionais e missionários, corremos o risco de ficar repetindo os velhos esquemas, dizer sempre as mesmas coisas e esquecer de avançar para as águas mais profundas de nossa opção vocacional.
Neste sentido, também meditamos a Páscoa situando-a no âmbito das diversas passagens que somos chamados a realizar ao longo do caminho vocacional que percorremos. São passagens ou êxodos que nos permitem aprofundar o significado da Páscoa e nos chamam à conversão. Cada êxodo que fazemos, mesmo se por caminhos que cruzam o deserto, nos oferece a oportunidade de testemunhar o Ressuscitado e assinalar a Páscoa definitiva de nossa vocação.
Chamados a dar testemunho do Ressuscitado
Nossa vocação cristã no atual contexto histórico é um compromisso a ser, mais que em outros tempos, aqueles que testemunham e anunciam a boa notícia de Jesus Cristo vivo no meio do mundo. Em outras palavras, podemos afirmar que nossa vocação coincide plenamente com a esperança e com a fé alicerçada em Deus, que guia a história e nos chama a conduzi-la pelos caminhos do evangelho.
Nossa vocação, em última análise, é dar testemunho da ressurreição do Crucificado e caminhar até a total realização do reino. Desta maneira, celebrar a Páscoa do Senhor é para nós, vocacionados e vocacionadas, a graciosa oportunidade de repetir o gesto do jovem Tomé de tocar com as próprias mãos o Cristo ressuscitado. Como ele, também nós, na fragilidade da fé, carregamos as dúvidas, dentre outros sinais de incredulidade. Mas também temos, ao lado de nossas fraquezas, a força da fé que nos faz testemunhas de Jesus e construtores de seu reino.
Não somos seguidores de um fantasma, e muito menos de um magnífico discurso ou teoria religiosa. Quem nos chamou, e aquele ao qual seguimos, não é outro senão Jesus Cristo, morto e ressuscitado, que nos confirma no seguimento e nos antecipa na missão de construir o reino. Esta é a fé que transborda em nosso coração vocacionado neste tempo pascal que celebramos com amor e esperança. Aqui fincamos as raízes mais profundas de nossa vocação, que se realiza em meio às adversidades e cruzes até à Páscoa definitiva de cada vocacionado em Cristo.
Vida nova para todos vocacionados
A participação junto com nossas comunidades na celebração do tríduo pascal, nos renova e nos dá novo ânimo na vivência da vocação a qual fomos chamados desde o ventre materno (Jr 1,5). Todos os anos, em cada Páscoa, temos a oportunidade de meditar o mistério da Páscoa de Jesus e refazer a opção vocacional diante do Ressuscitado.
A Páscoa é o melhor momento para meditar nossa vocação, aprofundar nossas opções e rever as alternativas que vamos assinalando nos passos da caminhada e no desenvolvimento de nossa missão. Nesta festa solene, que nos remete a história do antigo e do novo povo de Deus, percebemos o peso e o sentido da cruz, o vazio do sábado à beira do túmulo e a alegria da ressurreição. Não resta dúvida, que em cada Páscoa que celebramos o coração se renova, a vocação se fortalece e experimentamos a vida nova junto ao Ressuscitado.
Durante a semana santa, revivemos cada passo de Jesus, sua vida, seu ministério, a tragédia do calvário e a glória da ressurreição. Cada um destes momentos litúrgicos desperta em nosso coração vocacionado algumas dimensões, que talvez vão perdendo seu vigor no decorrer do ano em meio a tantas atividades que realizamos. Importa chegar ao domingo da ressurreição submersos pela alegria do amor, a ousadia do perdão e a força do Cristo vivo que caminha conosco como Emanuel – Deus conosco – pelos caminhos da missão (Mt 1,23; 28,20). Por isso, podemos afirmar e concluir que a Páscoa é uma festa vocacional onde cada um dos chamados renova e aprofunda sua opção pelo Ressuscitado.